terça-feira, 19 de setembro de 2017

LÍNGUA TRAVADA

Tenho uma enorme dificuldade com a língua portuguesa, afinal a forma falada se diferencia da escrita, a função da escrita, não é representar a fala, nem a fala tem consonância com a grafia, mas ambas se relacionam e se modificam.


Um grupo de símbolos incapaz de simbolizar o que se deseja, afinal, existe mil maneiras de dizer eu te amo, mas nenhum delas conseguirá refletir o que ocorre no organismo que de fato ama, todas as palavras do mundo são insuficientes para explicar a sensação de agonia em conjunto com libertação, de desespero e paz, de falta e completude, tudo junto e ao mesmo tempo. Nenhuma palavra do mundo será algum dia capaz de ser fiel ao significado de um sentimento.
Ironicamente, o Aurélio sempre tão falante, é incapaz de falar qualquer coisa, as palavras que vem dar significado, são insignificantes. A escrita que vem para registrar informações, nada registrou, pois toda palavra é inevitavelmente mentirosa. Toda e qualquer palavra é incapaz de transmitir o significado do que deveria significar.
Palavras sem sentido e sem significado, mas que ainda assim, tentam significar a nossa vida. Grupo de símbolos que só podem ser interpretados por um vulnerável acordo social, mas que ainda assim, sua interpretação está submissa: à ironia, sarcasmos, duplos sentidos, trocadilhos, duplos significados e resignificações. Um estrangeiro pode estudar fielmente nosso vocabulário, aprender que a mesma palavra manga designa uma fruta, mas também uma parte da peça de roupa; que o teclado, pode ser numérico, da calculadora, teclado do computador e ainda assim, um instrumento musical. Mas, dificilmente compreenderá o sentido de se chamar uma mulher de gostosa, pois é difícil o livro didático que signifique essa palavra para além do apreço culinário, ou ocupacional. A linguagem não é mecânica, ela é carregada de cultura e sentimentos, apesar de ser incapaz de representar os sentimentos e definir a cultura.
Freud nos dizia que traduzir é trair, pois nenhum texto traduzido consegue transmitir o sentido do texto original, mas me questiono: E o texto original? Foi capaz de transmitir o pensamento do autor? E o pensamento? Foi capaz de transmitir o Real? Não apenas traduzir é trair, mas pensar, falar e escrever também o são, pois nunca representaremos em palavras nossos pensamentos, sendo estes também, um recorte insignificante do mundo, que se limita a nossa própria ignorância.


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